No Dia da Consciência Negra, leio Machado de Assis

 

No Dia da Consciência Negra, leio Machado de Assis

                                          Foto: Wikimedia Commons. Imagem da recriada usando dados históricos do escritor Machado de Assis.

Imagine-se o leitor parado, diante de um semáforo, numa avenida qualquer da cidade. Certamente haverá ali uma criança negra – ou parda, como alguns preferem. Ela fará malabarismos, tentará vender balas (bombons) ou simplesmente pedirá moedas aos motoristas ali parados.

Acredito que, de seus carros, os espectadores, em sua maioria, levantarão o vidro da janela ou simplesmente balançarão o dedo com sinal negativo em direção ao menino, para que ele não se aproxime de seu veículo.

Imagine-se agora, caro leitor, vivenciando esta mesma situação na cidade do Rio de Janeiro, próximo ao Morro do Livramento, na primeira metade do século XIX (1850). Haverá ali uma criança negra – ou parda –, também a vender doces, que o nobre leitor poderá repelir e afastá-la de seu veículo. Aquela criança, porém, poderia ser Machado de Assis, que anos mais tarde se tornaria o maior nome de nossa literatura.

No Dia da Consciência Negra homenageio esse gênio, representante maior não só de nossa literatura, mas de nossa intelectualidade e da cultura nacional.

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 1839. Filho de um pintor de paredes, descendente de escravos alforriados e de uma lavadeira portuguesa. Pouco ou nada frequentou a escola e jamais cursou uma faculdade. Mas com esforço e resignação, fez-se um gênio. Com um padre, aprendeu o Grego e Latim; com um forneiro, aprendeu o francês. As aulas eram o pagamento por seu trabalho na padaria.  

Aos seis anos, perdeu a madrinha rica que o protegia. Ficou órfão de mãe aos 10 anos de idade e logo passou a trabalhar vendendo doces para ajudar sua madrasta, uma doceira numa escola pública. Machado de Assis venceu muitas adversidades. Além de sua condição de negro, numa sociedade preconceituosa e escravagista, sofria com a epilepsia e outras debilidades. Nada foi fácil em sua vida.  

Lutou para subir socialmente suprindo-se de superioridade intelectual e da cultura do Rio de Janeiro, a então capital brasileira. Trabalhou como tipógrafo, assumiu cargos públicos nos Ministérios da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas.

Como escritor, produziu em todos os gêneros: romance, poesia, crônica, teatro e conto. Foi jornalista e crítico literário. Ainda em vida, alcançou fama literária no Brasil e no mundo, sendo considerado o maior nome da literatura brasileira.

Esteve presente no momento da assinatura da lei Áurea. Testemunhou a mudança política no país, quando a República substituiu a Monarquia, além de diversos eventos político-sociais do mundo em finais do século XIX e início do XX.Foi ele fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras.

Para o crítico literário Harold Bloom, Machado de Assis é o maior escritor NEGRO de todos os tempos, ainda que os biógrafos tenham preferido considerá-lo um mestiço ou mulato. Aliás, por quase toda a minha vida, fizeram-me crer que Machado de Assis era branco. A velha estratégia do embranquecimento, tão presente na história oficial do Brasil.

Acredito que todo cidadão brasileiro deveria vencer o preconceito e ter orgulho em dizer que Machado de Assis e Eça de Queiroz são considerados os maiores escritores em língua portuguesa; mas que Machado de Assis, negro e brasileiro, é um dos gênios da história da literatura, ao lado de autores como Shakespeare, Dante e Camões. Que ele é o único de nossos escritores a se colocar em pé de igualdade com esses grandes vultos na literatura universal.

Já tive uma dívida com Machado de Assis quando, por muitos anos, faltava-me a leitura de Quincas Borba, uma maravilha de romance que, após ler, tornou-se para mim uma releitura obrigatória de tempos em tempos.

No Dia da Consciência Negra, convido o leitor a abraçar Machado de Assis. Um homem negro, com uma brilhante história de vida, de talento, de caráter e de superação com que só temos a nos orgulhar.

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