Aos que perdemos em novembro
Oh, novembro.
Como você foi ruim! Não culpo nenhuma estação, até porque nem as conheço todas.
No lugar onde vivo, não desfruto de outras estações que não sejam inverno ou
verão. Conheço bem a estação das chuvas, das enchentes, a estação do sol e do
estio. Se Outono é tristonho, não o percebo nem sinto sua falta. Se Primavera é
esperança, sinto muito, mas eu já a sinto sem conhecer tal estação. O Sol já me
ilumina o ano todo.
Mas insisto:
você foi mal, seu novembro, muito mal. Aguardei seu último amanhecer para lhe
reclamar as vozes calou, para lembrar-lhe de algumas vidas levou e mensurar o
tamanho do vazio que você deixará na vida cultural e musical deste Brasil. Com tudo
isso, só posso concluir o quanto você foi mal, seu novembro.
A voz belíssima de Gal
Você calou a voz belíssima de Gal Costa, que há muito eu ouvia e ainda ouço – agora somente com o coração – a entoar pérolas como Baby ou Negro amor. Esta última, até perdi as contas das aventuras etílicas motivadas por paixões que ela embalou. Você foi cruel, seu novembro, não devia ter feito isso.
Rolando boldrin, um Sr. Brasil
Ao mesmo
tempo, você atacou nossa cultura ao calar a voz que já foi o Som Brasil e até
há pouco nos encantava como Senhor Brasil. Você nos levou Rolando Boldrin. Saiba,
seu novembro, que muito devo àquele senhor. Ainda menino – e bem depois disso –
eu não tinha recursos ou liberdade para ir aonde estavam os artistas. Mas aquele
senhor Brasil os trouxe até mim e, na sala de minha casa, apresentou-me
Belchior, Vital Farias, Jackson do Pandeiro, Amelinha, Chico Anísio e muitos
outros artistas autênticos de todos os lados desse imenso Brasil. E a viola “cantava
alto no meu peito humano”. Mas veio você e calou o Sr. Brasil, calou a voz que
traduzia o que há de melhor na cultura desse país.
“O meu amigo Erasmo Carlos”
Ainda não satisfeito, seu novembro, você levou nosso gigante do bem, o Tremendão, “o meu amigo Erasmo Carlos”, como diria Roberto Carlos, outro ícone de nossa música. Erasmo era o eterno roqueiro da Jovem Guarda, retrato vivo de uma época. E cá entre nós, há comigo um menino que chora sua perda. É meu filho. Ele só tem catorze anos, jamais viu o cantor pessoalmente, mas o admira e guarda consigo alguns vinis que não serão mais autografados pelo seu ídolo.
Como você
foi mal, seu novembro.
Pablo Milanês: a voz da América Latina
Como não
bastasse calar as vozes de meu país, você levou o cubano Pablo Milanês. Fez-me
lembrar com melancolia meu tempo de idealismos, cujas vozes entoavam
verdadeiros hinos da luta de meu povo. Eram trilhas sonoras de uma consciência política
e social que se formava em mim.
Quantas
vezes me emocionei ouvindo sozinho a música Yolanda, na voz do compositor
cubano em parceria com o excelente Chico Buarque. Este, certa vez, em seu
programa televisivo, arrancou aplausos ao convidar Pablo Milanês ao palco, tratando-o
como seu homem em Havana. Essas vozes,
juntam-se às de Milton Nascimento, Caetano veloso e Mercedes Sosa que, ao entoarem
“Canción Por La Unidad Latinoamericana”, faziam-me orgulhoso pela América
Latina e despertavam-me a paixão pela língua espahola, que se tornava, para mim,
um idioma revolucionário.
Você foi
muito mal, seu novembro. Até seu último dia, indubitavelmente. Como você foi
mal.
Mas outros
virão e quererei vivê-los. Outros novembros, muitos novembros. De pronto, desejo
que os próximos sejam muito melhores, sejam felizes, marcados pela alegria. Que
sejam esperançosos, como deve ser a Primavera.
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