SEBOS: SANTUÁRIOS DA LITERATURA E DOS LOUCOS POR LIVROS

 

SEBOS: SANTUÁRIOS DA LITERATURA E DOS LOUCOS POR LIVROS



Ivan Melo

Quem caminhar pelo Centro de Fortaleza, pela imensa agitação de transeuntes apressados e vendedores ambulantes da esquina das ruas 24 de Maio com Pedro I, encontrará um trecho infestado pela fumaça dos espetinhos que são vendidos nas calçadas. Mas também irá se deparar com a fachada de uma das mais antigas lojas de livros usados da cidade, o Sebo O Geraldo,  a cujo proprietário, de mesmo nome, poderíamos atribuir a famosa assertiva decretada por Monteiro Lobato e ainda hoje repetida à exaustão: “Um país se faz com homens e livros”.


Dona Estela e Seu Geraldo estimam que tenham mais de 200 mil obras no local

Fonte: Jornal O Povo


O livreiro, por sua história, bem poderia ter como lema o que disse o argentino Jorge Luís Borges, para quem “o livro é “um instrumento de cultura. É um instrumento que, até agora, não foi superado”. (...) uma extensão da memória, do entendimento”.

    Pode-se dizer que tão quanto o livro, é importante o leitor, que o aprecia. E tão quanto o leitor, é importante o livreiro, que distribui o livro, que o faz chegar às mãos dos que o leem e o preservam. O livreiro é um guardião e um disseminador do tesouro que o livro carrega em suas páginas, um tesouro em forma de conhecimento e de cultura.

    Há muito se fala do pouco apreço dado ao livro ou à cultura em geral em nosso país. Essa falta de apreço aliada à dificuldade financeira e às imposições do mercado, fizeram com que livrarias de rua fechassem suas portas e ficassem restritas às salas de shopping centers. Isso as distanciou da população comum. Hoje é raro encontrar livrarias de rua. Com isso, a literatura tornou-se objeto de consumo raro e luxuoso. E, se vender livro é uma atividade econômica, seu fim é o lucro financeiro, e quando a busca se faz pelo capital, não cabe a paixão.

    Mas há exceções. Na cidade de Fortaleza, Ceará, encontramos casos que fogem à lógica do capitalismo. São os donos de sebos, livreiros, que fazem do ofício uma paixão que supera o tempo, supera as dificuldades, e os conduz em sua atividade, uma paixão que está muito além do interesse financeiro. Dessa forma, quem passa pelo centro desta cidade, encontrará verdadeiras ilhas. Ilhas de conhecimento, de cultura e silêncio. São os sebos, pontos de comércio de livros novos e usados, que muito contribuem para a disseminação da literatura

    Visitados pelos apaixonados por livros, que se aprazem ao garimpá-los nas prateleiras, muitos até fora de catálogo, alguns desses sebos, de tão antigos, tornaram-se tradicionais referências na cidade. É o caso do já mencionado Sebo O Geraldo, possivelmente o mais antigo e mais famoso de Fortaleza. Com mais de 100 mil livros à venda, O Geraldo é a primeira opção de pesquisadores, professores, acadêmicos e aficionados que buscam por referências bibliográficas, livros novos ou raros de qualquer área do conhecimento.

    Há mais de cinquenta anos no ramo, seu proprietário teve de se adaptar aos novos tempos e lidar com a tecnologia das vendas online e das redes sociais. Sr. Geraldo se diz aliviado agora, quando tudo caminha para a “normalidade”. Segundo ele, nada o agrada tanto quanto estar ali em sua loja e ver o cliente explorar seu labirinto de livros, mergulhar em suas prateleiras e sair de lá satisfeito com o seu achado.

    Dificuldades são muitas, mas nenhuma capaz de desmotivar o velho livreiro e afastá-lo da atividade que exerce por quase toda sua vida. É uma paixão que ele garante manter enquanto viver.

    A cidade de Fortaleza tem seus livreiros. Outras cidades, deste ou de qualquer país certamente possuem os seus, inclusive aqueles cuja tradição, a exemplo do livreiro Geraldo, já coincide com a do próprio local onde reside.

Seu Geraldo (foto: O POVO/ blog Almanacultura)

    A devoção de um livreiro à sua atividade leva-nos a crer que caberá a nós, homens e mulheres, também amar os livros. Será uma razão para que esses profissionais permaneçam distribuindo livros pelo mundo. Será o reconhecimento da importância do livreiro para a literatura e preservação da cultura.

* Texto premiado em 2º lugar no Prêmio Literário Livreiro Lauro Vieira, promovido pela AJEB – Associação das Jornalistas e escritoras do Brasil – seção Ceará

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