LIMA
BARRETO: preconceito, esquecimento e um centenário da morte de um escritor injustiçado
Este ano, 2022, comemorou-se, com todas as honras, o Bicentenário
da Independência do Brasil. O mesmo se fez com o Centenário da
Semana de Arte Moderna.
Urge lembrar que o dia primeiro de novembro último,
véspera do Dia de Finados, marcou uma data também digna de destaque: o centenário
de morte do escritor Lima Barreto, ocorrida em 01 de novembro de
1922.
A festa da liberdade nos ombros do pai
Imagine o leitor uma criança, um menino de origem pobre, filho de descendentes de escravos – um tipógrafo e uma professora primária, ambos mestiços e pobres.
Imagine essa criança no dia 13 de maio de 1888, dia de seu aniversário de 7 anos. Ela está nos ombros de seu pai que comemora, pelas ruas e praças do Rio de Janeiro, não o seu aniversário, mas a assinatura da lei que garantiria a abolição da escravatura.
Naquele passeio, o menino, que sequer conhecia a cidade, ouviu a palavra que ecoava pelas ruas em festa e para ele se tornaria sagrada: Liberdade.
Com a proteção do visconde de Ouro Preto, seu padrinho, aquele menino pobre e mestiço contrariou a expectativa de sua classe social. Fez o curso secundário no Colégio Pedro II e iniciou o curso de Engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro.
Infelizmente não resistiu às humilhações e insultos racistas e terminou por abandonar o curso. Sofreria preconceito por toda a sua vida e muito tardiamente seria reconhecido como um cânone da literatura brasileira.
O menino era Afonso Henriques de Lima Barreto, um escritor da fase Pré-Modernista.
Escritor do seu tempo e de sua terra, Lima Barreto testemunhou as ebulições políticas e sociais da República Velha e criticou asperamente os acontecimentos e os costumes da época. Foi um cronista da cidade do Rio de Janeiro, a então capital federal.
Lima Barreto foi um dos primeiros escritores no Brasil a assumir sua negritude. Escrevia com uma linguagem simples e coloquial, algo próximo do que se poderia chamar de uma “escrita brasileira”.
Porém, a simplicidade da linguagem, os desvios gramaticais e de estilo provocaram a aversão dos meios acadêmicos, dos conservadores e dos rebuscados parnasianos. Ele provocou a ira das elites quando colocou a periferia em suas páginas literárias.
Um cronista da sociedade
Suas obras traduziam a preocupação com fatos históricos e costumes sociais de sua época e o tornariam uma espécie de cronista e um caricaturista da sociedade. Era um meio com o qual ele se vingaria da hostilidade dos escritores e do público burguês que o discriminavam e perseguiam.
Os contos e romances de Lima Barreto revelavam a vida cotidiana das classes populares, sem idealizações. Criticavam as injustiças sociais e expunham as dificuldades das primeiras décadas da República.
Por ir de encontro aos padrões e ao gosto vigentes, o autor recebeu severas críticas dos letrados tradicionais. Foi hostilizado e perseguido pelos meios acadêmicos e pela imprensa, afinal, esses espaços estavam infestados de alinhados e bajuladores do novo regime.
Lima Barreto foi um rebelde, um inconformado com a mediocridade reinante. Era órfão de mãe desde os sete anos. Com a doença do pai, entregou-se ao álcool e sofreu com problemas mentais.
Foi internado duas vezes num manicômio,
onde iniciou a escrita do livro "Cemitério
dos Vivos", que não chegou a concluir.
Entre contos, crônicas e romances, publicou obras de excelente valor que todo brasileiro deveria ler: Recordações do escrivão Isaías Caminha, o livro de estreia, Triste fim de Policarpo Quaresma, o mais conhecido, Clara dos Anjos e Os Bruzundangas, entre outros.
Lima Barreto: um escritor injustiçado que merece o nosso respeito
Vitimada pelo mesmo ressentimento que tentou jogar o autor ao esquecimento, a data de centenário de sua morte passou por muitos despercebida e isto não causa surpresa. Se o hostilizaram e o discriminaram enquanto vivo, tentaram negar-lhe o reconhecimento após sua morte.
Lima Barreto foi injustiçado e maltratado por uma sociedade escravagista e um meio acadêmico elitista. Foi rejeitado nas diversas vezes em que se candidatou à Academia Brasileira de Letras e chegou a ser considerado um escritor de segunda categoria.
Em verdade, Lima Barreto é um autor que merece nossa atenção, nosso respeito e a nossa leitura. Não por piedade ou retratação, mas por reconhecimento de seu valor como ficcionista, da qualidade de seus escritos.
Lima Barreto foi um autor que, em sua época, registrou com talento, coragem e sem floreios, o âmago de nossa sociedade. Sua obra ainda hoje se mantém atual e faz de seu criador um autor “vivo e penetrante”, como bem disse o crítico Antônio Candido,.
PS: Sou
um noveleiro e não guardo segredo. Desafio o leitor que também o seja a dizer
qual novela da Rede Globo trouxe uma adaptação do conto A Nova Califórnia,
de Lima Barreto.
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