Dez anos sem Mário Gomes, o Poeta da Praça

    

                          Novo livro do escritor Nonato Nogueira  homenageia o poeta Mário Gomes.

              Até dez anos atrás ou um pouco mais, quem passasse pela Praça do Ferreira, no centro da cidade de Fortaleza-Ceará, possivelmente veria em um de seus bancos de madeira, um senhor de cabelos grisalhos e desgrenhados que por ali perambulava entre outros iguais a ele. Corrijo: quase iguais a ele. Eram bêbados, loucos ou desvalidos que viviam em situação de rua.
                Aquele, porém, sobressaía aos demais. Falava de modo altivo, com gestos e rompantes agressivos, traços certamente comuns aos loucos. Também tinha algo peculiar no vestir. Usava sempre um terno. Um terno surrado e amarfanhado, claro, mas que ainda era um terno e isso lhe garantia certo diferencial entre os que vivem nas ruas. Tinha ainda o corpo curvado, tão curvado que até chegava a desafiar a lei da gravidade.
                 Era velho e seu rosto denunciava as marcas do vício, de privações de cuidados pessoais, de alimento e de sanidade. Para os que o viam pela primeira vez ou para os que o viam constantemente, mas não conheciam o seu passado, ele seria simplesmente um bêbado, um louco ou um pedinte qualquer. Sequer imaginariam que, em época passada, aquele homem tivera seus dias de glória, que ele fora um poeta aclamado, com livros publicados e reconhecimento.
               Chamava-se Mário Gomes. Tempos atrás, ele teve amigos pelos quais era reverenciado no meio literário de Fortaleza. Ele gostava daquela praça. Tanto que, ainda em seus tempos áureos, adotou-a como seu escritório. Mais tarde, quando bateu à porta a insanidade, a Praça do Ferreira tornou-se, então, a sua morada. Nela, ele habitou até o dia de sua partida. A praça foi o leito, a morada e o escritório do poeta. Ele foi o Poeta da Praça. Mas apenas os amigos antigos realmente o conheciam. E eram muitos os amigos. Nas horas más, porém - e isso todos sabemos - tornam-se escassos e muito raros os verdadeiros amigos. 

                   Eu, em verdade, não o conhecia. Vi-o algumas vezes pela praça e o achei estranho. Curioso que sou, decidi, um dia, descobrir quem era aquele homem esquisito que provocava as pessoas, provocava riso, medo ou a chacota dos menos respeitosos. também havia os que o ignoravam. Até pedia dinheiro, para sustentar o vício. A quem lho negava, ele xingava, ressaltando que era um poeta, e não um mendigo. Quando, enfim, eu soube de quem se tratava, lamentei e por vezes me perguntei se ainda haveria solução para ele. Indagava-me: “Que passa na mente de um poeta louco?”, “Será que ele ainda é mesmo um poeta?“
                  Sem dúvida, era ainda um poeta, ele tinha a mente, a verve de poeta. Tinha gestos que, ainda que tortos pelo efeito da bebida, da velhice e das enfermidades, eram, ainda, gestos de um poeta, de um poeta descomunal. Um poeta louco, claro, mas um poeta. Logo após a referida descoberta, em 31 de dezembro de 2014, ele faleceu. Fortaleza perdeu Mário Gomes.

                       E a Praça do Ferreira perdeu seu ilustre poeta e morador.


                  No dia 07 de agosto de 2024, o escritor Nonato Nogueira fará o lança seu novo livro: “Mário Gomes, o homem que morava dentro de si”. O evento homenageia o Poeta da Praça e acontece no Teatro Chico Anísio. Na programação, leituras, declamações, músicas, com Dgal Solo e Elcid Lemos e a performance teatral “ A saga do poeta descomunal: dez aos sem Mário Gomes”, de Djacir de Sousa.



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